
Com autorização do governo chinês, Robert Yeung levou aconselhamento baseado na fé aos atingidos pelo terremoto, em Maio.
No dia 12 de maio de 2008, um terremoto de magnitude 7.9, na China, vitimou 30 vezes o número de mortos nos ataques de 11 de setembro e quase o mesmo número de soldados americanos que tombaram durante a Primeira Guerra Mundial. O tremor foi sentido até no Vietnã, a 750 quilômetros de distância.O fenômeno sísmico não abalou apenas o solo. Almas também se moveram, inclusive em Chengdu, coração literal e figurado da China. A capital da província Sichuan fica a 70 quilômetros do epicentro do terremoto e possui o 100º aeroporto mais movimentado do mundo, recebe investimentos estrangeiros no valor de 25 bilhões de dólares e possui 16 universidades.Em atitude sem precedentes, funcionários do alto escalão do governo indicaram Robert Yeung, educador e conselheiro, único cristão de um grupo de dez colegas, para organizar os esforços para a recuperação psicológica dos afetados pela tragédia. Yeung é deão acadêmico no Instituto de Conselheiros Cristãos de Hong Kong (HKICC – sigla em inglês), a única instituição da cidade baseada na fé para cuidados psicológicos.Três meses após o terremoto, assentei-me no apertado escritório de Yeung (2,5m x 2m), suando em bicas devido à temperatura elevada, e o ouvi contar o que aconteceu naquele dia histórico.“Duas montanhas desabaram e soterraram algumas cidades”, disse ele. “Foi terrível. Senti cheiro de corpos em decomposição, vi edifícios em ruínas, uma escola desabou, pessoas dormiam nas calçadas. Nunca havia visto nada semelhante. As pessoas choravam, perderam o ânimo. Não havia esperança. E ficaram iradas”.Desde junho, Yeung vem trabalhando em barracas das organizações de auxílio e em clínicas em locais afastados, treinando médicos, professores e outros líderes comunitários no tratamento do distúrbio do estresse pós-traumático. Para ajudá-lo, cerca de 100 alunos inscritos no único programa de pós-graduação em aconselhamento de Hong Kong, oferecido pela Universidade Olivet Nazarene, em Illinois.A tarefa inédita de Yeung teve início no ponto mais atingido pelo terremoto, em um encontro casual com Wenzhong Wang, diretor do Centro de Intervenção da Academia Chinesa de Ciências, que fica em Pequim, e, com recursos governamentais, avalia o impacto psicológico das tragédias na maior nação do mundo. Wang presta contas ao presidente Hu Jintao e ao premier Wen Jiabao.Enquanto Yeung treina líderes comunitários, Wang supervisiona 100 mil pessoas para desenvolver um modelo de aconselhamento pós-crises na China. Por enquanto, não existe nada. Com isso, a abordagem baseada na fé de Yeung se coloca na essência do novo modelo, devendo alcançar um grande número de chineses traumatizados até o futuro distante, já que os eventos de 12 de Maio provavelmente causarão efeitos emocionais profundos por, pelo menos, 20 anos.Andei por toda parte com Yeung, com um telefone, para tratar com Wang sobre o papel do aconselhamento baseado na fé. Cerca de 20% das entrevistas precisaram ser traduzidas para o inglês. Mas uma pergunta específica exigiu interpretação – cultural, religiosa e política.“Por que chamar o Robert?”, perguntei a Wang. “Tem alguma importância o fato de ele ser cristão?”Wang fez uma pausa. Eu me recostei. Logo aprenderia a decifrar o que ele quis dizer.Do ateísmo ao secularismo - Wang se encontra em um cruzamento perigoso. Um dos caminhos é fechado pela posição de ateísmo oficial do Partido Comunista; o outro está repleto de informações bem documentadas dos conselheiros e pesquisadores sobre o papel importante que a “espiritualidade” pode desempenhar na cura de problemas psicológicos. Por exemplo, os pesquisadores James Kennedy, Robert Davis e Bruce Taylor relataram no Journal for the Scientific Study of Religion (Jornal para o estudo científico da religião) um aumento de 60% na participação espiritual após uma provação. “Um evento traumático”, escreveram eles, “reduz o bem-estar, que causa o aumento de espiritualidade, que, então, ajuda a restaurar o bem-estar aos níveis anteriores ao evento”.A pesquisadora Yvonne Farley relatou, semelhantemente, no ano passado, no Journal of Religion and Spirituality in Social Work (Jornal de religião e espiritualidade no trabalho social), que “a espiritualidade tem sido cada vez mais identificada como componente significativo no poder de recuperação em traumas familiares”. Notícias que causam perplexidade em um país ateu.Em 28 de dezembro de 2007, porém, o presidente Jintao concedeu certo alívio à esquizofrenia cultural da China: assinalou um avanço do ateísmo ao secularismo – de “sem Deus” para “uma função não-política para Deus”. Convocou uma reunião inédita do Politburo para tratar de religião e disse aos 25 líderes principais de seu governo: “O conhecimento e a força dos religiosos devem ser usados para construir uma sociedade próspera”.Isso influencia a abordagem de aconselhamento nas crises de Wang e Yeung. Embora algumas formas do cristianismo permaneçam vistas como ameaças, o ministério do Espírito Santo – uma “espiritualidade” – é aceito. Yeung afirma que o governo chinês aceita os benefícios emocionais que os traumatizados recebem devido à crença espiritual. Sem pressões no sentido da conversão, o conteúdo bíblico transmite seu aconselhamento.Hugo Chan entende melhor que qualquer um sobre tensão. É um ícone religioso e político em Hong Kong: ex-apresentador do programa Clube 700, da Christian Broadcasting Network naquela cidade; sócio de um escritório de advogados na “Wall Street” de Hong Kong; um dos apenas 21 representantes religiosos no comitê para eleição do administrador de Hong Kong; consultor na Conferência Consultiva Política Chinesa realizada em Pequim e presidente de uma Comunidade Bíblica de Homens de Negócio, que possui 30 grupos que realizam reuniões semanais.Tomando chá, em sua bela sala de reuniões, Chan afirmou que a China só se abre para o cristianismo organizado, como as igrejas autorizadas pelo governo, devido a benefícios econômicos e estabilidade social, contudo permanece atenta a atividades políticas realizadas pelas igrejas.“Os detentores do poder reparam no sucesso dos sistemas econômicos ocidentais. Intelectuais chineses notaram a relação entre prosperidade econômica e religiosa. [...] Mas, enquanto o budismo e o confucionismo (religiões predominantes na China) são fatalistas e passivos, os cristãos possuem senso de justiça e de ação social”.A melhor abordagem, segundo ele, é respeitar a autoridade do governo – que é, no fim das contas, um princípio cristão – e ao mesmo tempo representar a visão cristã dentro do sistema chinês: direito, política e, no caso de Yeung, reação a traumas.Aconselhamento no chão - Foi por isso que Wang fez uma pausa em nossa conversa. Aconselhamento para crises com base na fé não pode ser apoiado. Mas será permitido?Ele respondeu com cuidado, em pausas longas para pensar, escolhendo a dedo as palavras (realçadas em itálico). “Robert é um membro especial da Academia de Ciências da China”, disse. “O treinamento dele é prático, belo e simples, e ele o realiza com humildade. A filosofia das vítimas pode afetar a saúde mental. Precisamos conhecer o quadro inteiro. Esta crise, então, é uma oportunidade para governo e povo se abrirem mais”. Por trás dessas palavras encontra-se a permissão tácita para responder a perguntas sem pregar. Por exemplo, Wang autorizou Yeung a escrever “cristão” ou “capelão” sob o nome, nos crachás dos voluntários. Alguns caminhões das organizações de socorro traziam a mesma indicação.Entretanto, essas demonstrações podem ter efeito contrário. Em uma vila próxima ao local do terremoto, o governo permitiu identificação cristã próxima a um abrigo, mas alguns ajudantes negaram garrafas de água a vítimas que rejeitaram a pregação, e isso acabou resultando em demérito para a fé. Isso influenciou a abordagem de Yeung.“Não estávamos lá para pregar”, diz ele. “Na verdade, é a hora errada para fazer isso”, já que as vítimas ouvem falar de um Deus amoroso, mas estão diante do paradoxo de ver que ele permitiu que a tragédia acontecesse. “Mas, quando perguntavam [sobre os crachás], falávamos abertamente”.Em Deyang, cidade com quatro milhões de habitantes, ao sul da linha do terremoto, Yeung visitou um campo de vítimas. Um homem de 50 anos aproximou-se dele. “Ficou interessado em meu crachá e me perguntou o que queria dizer”, contou Yeung. “Disse a ele que não estava lá para pregar, nem para fazer uma entrevista com ele e que meu objetivo era ajudá-lo, conversando com ele”.Na hora de partir, Yeung perguntou:– Eu não trouxe nada material para lhe dar, então posso deixar com você a minha paz?– Pode.– Posso orar com você?Ele assentiu.Em Chengdu, Yeung conheceu Lily, professora do Ensino Médio que sofre com pesadelos porque faltou ao trabalho no dia do terremoto. Quase todos os alunos dela morreram. Yeung ajudou-a a aceitar o consolo de Deus. “Usei uma tática baseada na fé para ajudar Lily a entender que faltava um elo no trauma”, contou. “Ela sabia de minha fé e não ficou ressentida.” Ele lhe explicou: “Espiritualidade é ser, religião é fazer.”“Ligar-se em Cristo” - Yeung aprendeu esse conceito com Michael Haynes, de Temple, Texas. Após aconselhar pessoas atingidas pelo ataque do 11 de Setembro e vítimas da bomba na cidade de Oklahoma anos antes, Haynes criou o Instituto de Treinamento para Aconselhamento Baseado na Fé, com a finalidade de formar capelães para agir em meio a crises. O HKICC de Yeung levou Haynes a Hong Kong para treinar voluntários.Certa noite, no meio da semana, eu estava, atônito, em um dos maiores santuários de Hong Kong – a Igreja Cristã Reavivada (RCC), interdenominacional, fundada por missionários anglicanos – onde uma multidão se reuniu, apenas com propaganda boca a boca, para ouvir Haynes. Os 800 lugares foram ocupados 20 minutos antes do início do programa, e mais 100 pessoas sentaram no chão no hall de entrada.“Oitenta por cento das pessoas traumatizadas têm dúvidas espirituais”, disse Haynes. “Quem dará as respostas? Havia 250 mil soldados chineses em Sichuan para fazer busca e resgate, mas não são treinados para tratar de emoções nem lidar com nada que tenha natureza espiritual”. O segredo, falou, é o “ministério da presença”.“Uma lâmpada, nas noites de verão, atrai insetos só por estar acesa. Apenas ‘estar’. Não ‘fazer’. No entanto, a lâmpada só brilhará se estiver conectada à eletricidade. Então, eis o que cada um deve fazer: ficar em seu lugar, ligar-se em Cristo; brilhar; e atrair todos que Deus levar até lá”.Cerca de 150 pessoas se inscreveram para o treinamento de três dias. Katherine Balcombe, que fundou a RCC com seu marido Dennis, não se surpreendeu.“O terremoto despertou a Igreja”, comentou, depois do evento. “Surgiu uma verdadeira noção de colheita. Antes havia, em Hong Kong, muitas divisões denominacionais e títulos de eventos relacionados a isso, mas agora não. Há unidade”.Yeung também foi despertado. “Trata-se, definitivamente, de um ponto importante em minha vida. Vejo a mão de Deus nisso, abrindo uma porta para a China. Tudo aconteceu em muito pouco tempo, mas o impacto pode ser imenso. Dá para saber que é Deus agindo”.
Ao que parece, nem todos os abalos secundários dos terremotos são ruins.
Gregg Chenoweth é vice-presidente de assuntos acadêmicos na Universidade Olivet Nazarene, em Bourbonnais, Illinois. Seus artigos já foram publicados no Chicago Tribune, The Detroit News e em várias revitas
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